Maurício Cândido da Silva possui graduação e licenciatura em História, especialização e pós-doutorado em Museologia, mestrado e doutorado em Arquitetura, todos pela Universidade de São Paulo (USP). Com pesquisa sobre “coleções e museus universitários brasileiros”, atualmente é especialista em “projetos de exposição” e coordenador técnico do Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. Desde 2017, atua como idealizador e coordenador da RBCMU, uma rede que propõe a articulação entre ações colaborativas e mobilização de diferentes profissionais, docentes, estudantes e pesquisadores envolvidos com a preservação e divulgação do patrimônio museológico universitário nacional e que conta com um repositório digital de dados sobre coleções e museus universitários, com cadastro interativo e livre acesso para consultas.
MUD. Nos conta como se deu a sua trajetória no campo da museologia, mencionando aspectos da sua formação e demais vivências que considerar pertinentes.
Resposta: Na verdade me identifico como um profissional especializado que atua em museus pertencentes a uma Universidade Pública. Possuo graduação e licenciatura em história, especialização e pós-doutorado em museologia, mestrado e doutorado em arquitetura. Atualmente estou na coordenação técnica do Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Dentro da Universidade atuo em parceria com diversos especialistas, tais como museólogos, educadores, conservadores, arquitetos, biólogos, arqueólogos, médicos veterinários, engenheiros, dentre outros. Essa mesma diversidade se reflete nos vários museus e tipos de coleções mapeados nos departamentos universitários. Por conta dessa vivência e de um interesse cada vez maior, nos últimos anos fui levado a pesquisar os museus universitários, cujos resultados dos trabalhos orientaram a construção da Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários, com suas bases de dados, que apontam para um reconhecimento necessário da diversidade existente dentro dessa categoria de museus e para o incrível patrimônio museológico universitário brasileiro. Nesse sentido, sou um operário que trabalha em prol dos museus universitários e que busca um diálogo plural.
MUD. Qual a sua compreensão sobre a museologia universitária, coleções, estruturas, e institucionalização?
Resposta: A partir do meu ponto de vista, definido pela minha trajetória, vejo que a institucionalização das coleções na universidade é um processo bastante complexo e pode ter diferentes desdobramentos. Há museus independentes com grandes coleções e estruturas administrativas próprias, com histórico de muita luta e superação para conquistar a sua independência acadêmica, administrativa e financeira. Temos um segundo grupo, com museus de unidades, alguns institucionalizados, outros em processo, que desempenham um relevante papel na extensão universitária; temos ainda um terceiro grupo de coleções de ensino e pesquisa, com pouca taxa de institucionalização e, muitas vezes, sem pessoal próprio para gestão do acervo. Considero o processo de institucionalização quando o museu tem presença no regimento e no organograma institucional, isso é de fundamental importância para a sua estruturação. Certamente temos outros desafios, tais como um espaço físico para abrigar as coleções e receber o público, recursos humanos com formação na área, plano museológico. Muito importante que se estabeleça um melhor diálogo entre os cursos de museologia e os núcleos museológicos universitários para a sua preservação e divulgação, dentro das orientações da museologia.
MUD. Quais os principais desafios para os Museus Universitários no Brasil, hoje?
Resposta. Os Museus Universitários, no geral, precisam minimamente de reconhecimento institucional, espaços adequados para guarda e divulgação, quadro com técnicos e especialistas e uma política de apoio para sua estruturação e manutenção.
MUD. Muito tem sido debatida a necessidade de reinvenção dos museus para superar a herança colonial tradicional, pensando nas instituições universitárias, como você interpreta esse debate?
Resposta. Acredito que a necessidade deste debate transcende a todos os museus, incluindo os universitários. Essa é uma questão contemporânea extremamente relevante e os museus universitários devem incorporá-la em suas curadorias, exposições e em seus programas educativos, que abrangem muitas escolas e são responsáveis pela formação de muitos professores da rede de ensino. Em função de suas práticas relacionadas à constante significação do seu patrimônio, com visões críticas e analíticas, os museus universitários devem atuar na superação da herança colonial tradicional, entendo que este seja um espaço por excelência para essas discussões.
MUD. Como você analisa a interface dos museus universitários com a sociedade?
Resposta. A interface dos museus universitários com a sociedade, na esfera da extensão universitária, ocorre com maior ênfase por meio de grupos escolares, sobretudo do fundamental II e do ensino médio. O perfil dos visitantes dos museus universitários é formado, em média e com algumas especificidades, na faixa de 75% composto por grupos escolares e 25% por visitantes espontâneos. Podemos dizer que há uma certa ‘tradição’ dos programas educativos dos museus universitários voltarem boa parte de suas ações para as escolas, seja por meio do treinamento de professores, pela produção de materiais educativos ou mesmo com atividades para os alunos em geral, principalmente por meio das exposições. Temos resultados incríveis de ações neste âmbito em todo país, levando muitos alunos a verem por meio do museu um novo futuro e a despertarem para a universidade.
MUD. E a importância das coleções e museus universitários com a extensão?
Resposta: As coleções e os museus universitários possuem enorme valor para os projetos e para as ações de extensão universitárias, principalmente por meio de práticas pedagógicas desenvolvidas com as escolas, pois são seus principais interlocutores. Universalmente, os museus existem para o desenvolvimento da sociedade, no caso dos museus universitários, além de seus valores universais, constatamos a prática universitária, baseada no tripé pesquisa, ensino e extensão. Alguns museus pesquisam, outros ensinam, mas nenhum deixa de atuar na esfera da extensão, isso é praticamente comum a todos, pois está em sua natureza oferecer serviços à sociedade.
MUD. Como surgiu e como você define a Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários – RCBMU?
Resposta: A Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários surgiu em 2017, a partir da ideia de criação de uma plataforma digital que pudesse reunir dados de museus universitários e troca de informações entre pessoas interessadas no assunto, tais como docentes, pesquisadores, profissionais e estudantes. Contou com apoio de diversas organizações, tais como o Icom Brasil e o Fórum Nacional de Museus do Ibram. Após mais de 4 anos de existência, ela vem cumprindo o seu objetivo. Um dos momentos mais intensos da RBCMU foi logo o incêndio do Museu Nacional e a tentativa de encerramento do IBRAM. A Rede teve um importante papel como canal de solidariedade aos colegas do Museu Nacional (um museu universitário) e na luta em defesa do IBRAM, com grande mobilização nacional. Até o presente momento, foi possível catalogar 537 núcleos museológicos universitários, que representam aproximadamente 13,5% das unidades museológicas brasileiras, além disso temos o cadastro de 407 pessoas e mais de 100 publicações sobre o assunto, entre artigos e teses. São números que precisam ser interpretados, mas que por si já apresentam um importante panorama nacional.
MUD. Como se dá a prática de articulação entre os museus universitários associados a rede e quais as suas principais realizações até hoje?
Resposta: A articulação se dá por meio de um sistema de e-mails e, como disse anteriormente, tivemos dois históricos momentos de articulação, mas podemos ainda acrescentar a importância da RBCMU para a retomada e organização do Fórum Permanente de Museus Universitários, cuja 6ª edição se dará em outubro, na Universidade Federal do Paraná (UFPR) (https://vifmu.ufpr.br/portal/). cabe mencionar a participação da RBCMU na #MuseusPelaVida do Icom Brasil (https://www.icom.org.br/) e também sua articulação para a edição especial da Revista CPC USP com o Dossiê Museus Universitários (https://www.revistas.usp.br/cpc). A Rede construiu um novo espaço de debates, cujo tema central são os museus universitários, em suas múltiplas facetas.
MUD. Quais os dados mais relevantes levantados pela rede sobre as coleções universitárias e o que podemos encontrar no acervo da RCBMU?
Resposta. O número total de núcleos museológicos universitários existentes no Brasil (681), a grande diversidade que este número representa e o perfil das centenas de pessoas interessadas ou que trabalham com este tema. Além disso, o uso da tecnologia livre Tainacan permite a emissão de uma série de relatórios, de acordo com o interesse da consulta. Cabe destacar que o acesso aos dados é totalmente franqueado. A ideia é que a Rede possua um levantamento completo e exaustivo de todas essas informações gerais.
MUD. O que você pensa sobre a interface entre o digital e as coleções universitárias?
Resposta. Estou muito satisfeito com os resultados. Seria importante que um dia ela fosse institucionalizada.
MUD. O Museu Digital da UNILA surge, diferente de muitos processos de digitalização de coleções físicas universitárias, surge nativo digital e com foco na interdisciplinaridade, como você avalia essa iniciativa?
Resposta. Excelente iniciativa! Para além das limitações e potencialidades de um museu digital, podemos entender este Museu como um importante passo da UNILA no tratamento do seu patrimônio universitário, mas outros passos serão necessários pois, dentre seus múltiplos significados, a Universidade se destaca como geradora e gestora do patrimônio relacionado à pesquisa, ao ensino e à extensão universitária, em seus diversos campos do conhecimento. Há um lema que aprendi e acho bastante adequado: uma boa universidade possui bons museus.